Adeus, Odiosa Rainha.

Adeus, Odiosa Rainha

Estava sentada em seu cárcere, lembrando-se de seu tempo como rainha, lembrando-se do conforto de seu palácio que jamais verá novamente. Estava completamente abalada, sem o seu rei que já tinha perdido sua cabeça para a guilhotina que agora lhe aguardava. Seus filhos foram tomados de suas mãos, não lhe sobrava mais nada. Até seus cabelos grisalhos, que um dia foram loiros, estavam sendo cortados enquanto mergulhava em suas dores. Esse pouco tempo trancafiada, longe de sua mordomia, fizera com que envelhecesse. Tinha apenas trinta e oito anos, mas sua antiga pele aveludada tinha lhe abandonado. Sem uma família, sem sua beleza e riqueza, nada tinha lhe sobrado. Apenas a lâmina fria que a aguardava ansiosamente, implorando por seu sangue real junto à multidão frenética.

Seu cabelo longo fora cortado, vestia roupas brancas incluindo uma touca. Caminhava pelo corredor com as mãos atadas, indo para fora, em direção à luz do dia. Seria um momento ótimo para uma prisioneira, se não estivesse indo de encontro com a morte. Esperava encontrar uma carruagem lhe aguardando, assim como seu rei. Mas o que encontrou foi uma gaiola de ferro para prisioneiros comuns, entrou e sentou-se. Era uma gaiola completamente aberta, ficaria totalmente exposta para o povo raivoso que lhe aguardava. Ah, que tristeza. Seria só mais uma cabeça rolando no chão, seu título de rainha já não valia mais nada. Era apenas mais uma da alta sociedade, odiada pelo povo.

A gaiola começou a andar, sendo puxada por um cavalo, em direção ao altar do terror. Adentrava na multidão, seguindo seu caminho que parecia mais longo do que deveria. Todos gritavam, berravam, exclamavam para ela. Estavam implorando por seu sangue, por sua cabeça. As pessoas foram completamente dominadas por aquele objeto infernal, a cada minuto queriam mais e mais cabeças, assim como a própria guilhotina. A gaiola parou diante da escadaria que a levaria para seu fim, desceu. Ainda com as mãos atadas começou a subir, degrau por degrau, mais perto da morte a cada passo. Olhou para cima e viu aquela lâmina triangular pesada, que tinha cerca de quarenta kilos, banhada com o sangue de suas vítimas anteriores.

Ajoelhou-se perante sua futura assassina enquanto ouvia seu nome ser citado junto às acusações, lidas pelo carrasco. Retiraram sua touca, deixando-a cair em uma poça de sangue frio. Sua cabeça foi posicionada no orifício do instrumento de assassinatos, apenas aguardando o som frio do metal descendo de dois metros e trinta centímetros de altura indo brutalmente contra seu pescoço cansado de segurar sua cabeça cheia de pesares. Enquanto ouvia as acusações de que era contra a Revolução, fitou a platéia de sua última peça. Todos gritavam freneticamente, seus olhos enlouquecidos pela cor do sangue lhe olhavam com desdém. Fechou seus olhos, lembrando-se brevemente de uma tarde serena atrás do palácio, onde a família real estava reunida apenas aproveitando de seu conforto.

Mas não conseguiu se concentrar por muito tempo nessa lembrança, os berros da multidão logo lhe puxaram bruscamente para a realidade. Uma última vez olhou para as ruas que um dia já governou, mas que agora lavaria com seu sangue real. A lâmina finalmente fora liberada, descendo com brutalidade sobre seu delicado pescoço real. Este era o fim da última imagem que simbolizava a monarquia tão odiada pela Revolução. Adeus, odiosa rainha. Vida longa ao povo! Vida longa à Revolução! Gritava a multidão em êxtase, a mesma multidão que tanto lutou pelos Direitos do Homem. "Liberdade, Igualdade, Fraternidade"? Há!



“Eu fui educada na religião católica, apostólica e romana, naquela de meus pais, e nela eu cresci e sempre professei; não tendo (agora) nenhuma consolação espiritual a esperar, não sabendo se existem aqui (na França) ainda padres desta religião, e mesmo (se existisse ainda padres) o lugar (a prisão) onde eu estou os exporia muito a riscos, se eles me falassem, ainda que fosse só uma vez; Eu peço sinceramente perdão a Deus por todas as faltas que eu cometi desde que nasci. Eu peço perdão a todos aqueles que conheço, e a Vós, minha irmã, em particular, de todos os sofrimentos que, sem o querer, poderia lhe ter causado; eu perdôo a todos os meus inimigos pelo mal que me têm feito. Adeus! Minha boa e terna irmã. Possa esta carta chegar até você. Pense sempre em mim. Eu te abraço de todo meu coração, assim como minhas pobres e queridas crianças, Meu Deus! Quanto me corta o coração deixá-los para sempre!”

(Uma carta de Maria Antonieta à uma irmã, escrita na prisão, é considerada seu testamento.)