O mundo em que você...

A garota assentiu com a cabeça, enquanto se levantava. Não era como se estivesse realmente com medo, apreensiva ou ansiosa. Na verdade, sua expressão era rígida, imutável, como se ela não soubesse demonstrar o que sentia... Ou como se simplesmente não sentisse.

“Por que eu?” Perguntou com um tom de voz tão morto quanto sua expressão facial.

“Porque você enxerga além.” Respondeu a voz.

A menina deu um sorriso torto e nada feliz. Não imaginava que alguém poderia usar um tom doce como aquele para dizer algo tão insensível.

“Estou indo.”

A voz falando de sorte e azar como se não tivesse nada a ver com isso fez a garota soltar outro sorriso amargo. O cãozinho ao seu lado latiu fracamente e, aos ouvidos dela, aquilo era um “vamos logo!”. Estranhamente, aos ouvidos da menina, aquele animal era tão claro quanto uma pessoa.

Em uma mão a garota levava a coleira vermelha que a ligava ao seu guia. Na outra, uma chave enferrujada, que usou para destrancar o grande portão que a mantinha naquele cômodo. Assim que abriu a nova passagem, sentiu o chão sob seus pés tomar a textura de gelatina, e logo depois sumir. Era uma queda suave, lenta, que a deixava numa espécie de transe.

Não sabia dizer quanto tempo levou, mas finalmente sentiu algo tocar a sola de seus pés novamente. Dessa vez, um chão frio, molhado. Ao mesmo tempo, percebeu gotas frias atingindo sua pele como se fossem agulhas.

“Chuva”. Uma sensação estranha invadiu seu peito.

O cãozinho grunhiu, alertando-a de que não estavam sozinhos: sentada na grama, chorando copiosamente, uma jovem loira murmurava coisas sem sentido. Suja de sangue e lama, ela abriu um sorriso histérico ao perceber a recém-chegada.

“Você finalmente veio!” Ela se arrastou em direção à garota “A minha estrela veio!”

Ao ouvir aquela palavra, um calafrio percorreu o corpo da menina, que congelou. Sua expressão morta deu lugar a um semblante que lembrava alguém sendo torturado.

Ainda delirando, a mulher agarrou a ponta do vestido da menina.

“Eu serei uma estrela? Eu serei como você! Eu serei...”

A mulher finalmente calou-se. O pequeno braço atravessado em seu peito havia silenciado-a. Para sempre.

A menina tateou, procurando... E finalmente encontrou. Algo denso, frio. Agarrou a pequena esfera e puxou-a para fora.

O cãozinho latiu mais uma vez, como se a parabenizasse pelo seu primeiro serviço.

“Chuva... Estrelas. O humor de Moira-sama é tão negro quanto sua alma.” A garota comentou para o cadáver da mulher.

Carregando o objeto que acabara de obter, a menina girou a velha chave no ar. De novo veio a sensação do chão se desfazendo. Enquanto sentia seu corpo flutuar, ela suspirou.

Uma cena que se repetiria muitas vezes.

E aquele era apenas o começo.