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O Coração da Floresta

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Mensagem por SorayaCoelho Ter Nov 22 2011, 14:09

Fiz esse texto baseado em Märchen, que é o meu albúm favorito. Espero que aqueles que o leiam possam apreciar!


- Eu o vi! Ele está lá fora, está olhando pra mim!

O mais novo se encolheu debaixo das cobertas, apenas os olhos aparecendo. A mais velha bufou, largando a leitura que fazia a muito custo, sob a luz de um toco de vela, porque os tios não gostavam que ela deixasse as luzes do quarto acesas depois das nove. “Vocês gastam demais!”, eles diziam.

- Não tem nada lá fora! – ela falou talvez pela quinta vez naquela semana. Os pés tocaram o chão frio quando a menina se ergueu, afastando os cabelos bagunçados para trás das orelhas.

Subiu no colchão fino da cama de seu irmão e desembaçou o vidro da janela. O quarto pequeno e frio dava para a entrada da floresta escura. Tudo que ela via eram alguns vagalumes e os galhos das árvores antigas movendo-se preguiçosamente, como se estivessem chamando por ela.

- Viu? Não tem nada lá fora! – puxou o irmão pelo braço, para forçá-lo a olhar.

- Mas ele... Eu vi!!

- Você já está grande demais pra ficar com medo do escuro! – ele detestava quando a irmã usava aquele tom, como se ele fosse meio maluco. O garoto tinha certeza do que via, ele tinha!

Os dois se encararam. A irmã sentia que precisava ajudá-lo. Afinal, no fim das contas, contavam apenas um com o outro.

- Vamos lá fora. Vamos entra na floresta e provo a você que não há nada para se temer.

- Não quero entrar lá! – o corpo dele estremeceu apenas com aquela idéia.

Ao contrário, ela parecia bem decidida. Pegou os agasalhos surrados, vestindo o dela e jogando o do irmão. Juntou do chão o toco de vela dentro do pires e saiu do quarto na ponta dos pés, sem esperar para ver se o irmão a seguia. O garoto ficou paralisado, vendo as sombras na parede do corredor, que a penumbra tornava assustadoramente maiores.

- E se eles descobrirem?! – perguntou aos sussurros para a irmã, quando haviam alcançado o portão que dava acesso à floresta.

- Não vão se voltarmos rápido.

- E se nos perdemos?

- Está com medo, é? – ela riu e ele inflou as bochechas, irritado.

- É claro que não!

- Então vamos logo!

Os dois foram recebidos por uma lufada de vento frio. O inverno daquele ano ameaçava ser pesado. Por um minuto ela se arrependeu de iniciar aquela pequena aventura. Estava muito frio e precisava manter a mão em concha próxima à vela, para que o vento não apagasse... Mas aquilo incomodava, porque queimava. Além disso, os agasalhos pobres que seus tios haviam dado não eram exatamente muito úteis contra aquele frio. Contudo, não poderia imaginar suas leituras interrompidas mais uma vez pelos medos do irmão. Unindo toda sua força de vontade, avançou para frente, em direção à floresta, com o irmão nos calcanhares.

- Você sabe para onde devemos ir?

- Claro que sim. – era mentira! Mas quando não se sabe para onde ir, qualquer direção é válida.

As árvores eram todas tão majestosamente grandes que os dois começaram a se sentir pequeninos e frágeis. A impressão era de que elas tinham olhos, e acompanhavam desconfiadas a passagem dos irmãos. O garoto olhava para os lados a todo momento, esperando se deparar com o par assustador de olhos que o perseguia todas as noites desde que chegaram naquela casa.

Seus pais haviam morrido num acidente de casa, três anos antes. Eram pessoas excepcionais, mas sem a menor visão de futuro. Nada deixaram aos filhos, exceto uma dupla de parentes nada agradáveis. O irmão de seu pai os acolheu a contragosto, apenas porque ter crianças em casa passaria à alta sociedade na qual almejava tanto entrar a imagem de pessoas boas e caridosas. Bondade e caridade eram, atualmente, as palavras da moda entre os ricos e desocupados.

A mais velha não queria se afastar demais do casarão, mas quando olhou para trás percebeu que tudo que era capaz de enxergar era o breu da noite e as árvores mais próximas.

- Ah não. – ela gemeu, puxando o irmão para perto com a mão livre, num gesto protetor. Naquele momento, a chama desprotegida foi impelida pelo vento e ameaçou apagar. Rapidamente, a menina tornou a erguer a mão, tentando proteger a ínfima chama.

- Eu não posso segurar sua mão, então fique perto de mim, entendeu? Lucius?

A falta de resposta a fez olhar para a esquerda, onde seu irmão estivera até segundos atrás, mas não havia sequer um sinal de Lucius.

- Lucius!!! – ela gritou, desesperada. Girou em torno de si, tentando localizar o irmão. – Lucius, deixe de brincadeiras!!

O som de um gemido fraco levou-a a olhar na direção oposta. Alguns arbustos altos balançavam e ela achou ter visto as mãos do irmão erguidas antes de sumirem na escuridão.

Não poderia permitir que fizessem algum mal a seu irmãozinho. Felizmente, a menina contava com pernas fortes e correu com todo o seu fôlego. Vez ou outra o som de um gemido ou de um choro baixo chegavam até ela, fazendo com que mudasse de direção quando necessário.
Finalmente, a garota chegou a uma clareira no meio da floresta. Uma criatura usando uma túnica de um branco impecável e reluzente como pérolas debruçava-se sobre o corpinho de seu irmão. Lucius tinha os olhos arregalados, fitando o infinito.

Solte o meu irmão!, ela apenas pensou em dizer, mas de sua boca não saiu som algum. Com desespero, percebeu que não conseguia se mover, por mais que se esforçasse. A criatura encapuzada soltou uma risada que mais lembrava o som de um tecido sendo brutalmente rasgado. Era impossível dizer quais eram suas feições, pois nada além de dois pontos azuis intensamente iluminados destacavam-se dentro do capuz. Aquela coisa, o que quer que fosse, ergueu um punhal com o cabo de prata no ar de forma ameaçadora.

- Seu irmão me pertence, Alice-que-nasceu-na-mais-escura-das-noites. – disse o bizarro ser. – Anos atrás, seus pais tomaram de nossa floresta o seu coração. Desde então, todas as noites, somos forçados a roubar o coração de alguém, para que a floresta continue viva. A floresta é mais antiga que todos os homens, e sobreviverá quando todos os homens forem extintos. Somente o coração dos descendentes dos ladrões poderá terminar essa matança.

Que seja o meu coração, então!, disse Alice com decisão, apenas em seus pensamentos. Os dois pontinhos azuis que eram os olhos da criatura piscaram em reflexão por um momento.

Sou a mais velha!, Alice insistiu. Eu que devo ir!

- Eu sinto muito Alice-que-nasceu-na-mais-escura-das-noites. – concluiu a criatura, talvez com pesar. – Mas há tempos eu espreito Lucius-que-tem-o-brilho-da-lua, pois ele é puro. Suas intenções são boas, mas eu sei que diversas vezes, e em segredo, você prestou serviços sujos ao seu tio em troca de mais comida no prato de seu irmão. Deixou seu tio se lambuzar em sua pureza, Alice-que-nasceu-na-mais-escura-das-noites, e por isso seu coração, cheio de mágoa, não pode bater e comandar nossa floresta. É uma pena, pois seus olhos são lindos...

E sem mais delongas, a criatura enterrou o punhal no coração de Lucius, rasgando seu tórax de cima a baixo e arrancando o pequeno coração, ainda pulsando. Alice, incapaz de reagir, assistiu a tudo com ódio e desespero crescentes. Era culpa sua que seu irmão tivesse sido levado diretamente para as mãos daquela criatura. Mas era culpa de seu tio que ela não pudesse oferecer sua vida em troca da vida de Lucius. E por isso, enquanto seu rosto era molhado por lágrimas, um único pensamento invadia sua cabeça e seu coração. Ela ainda teve tempo de ver a criatura colocar o coração de seu irmão dentro do tronco de uma árvore gigantesca, com copa espessa e repleta de pequenas flores que pareciam reluzir à luz das estrelas. Contudo, seu pesar foi tão imenso, que Alice quedou inconsciente por várias horas, e acordou apenas quando amanhecia.

Por longos minutos chorou abraçada à árvore. Então sentiu alguém tocar seu ombro. Tratava-se de um homem alto e esguio, muito pálido, de uma palidez que contrastava com seus cabelos escuros e com seus olhos negros e sem brilho, tão profundos que pareciam ser o poço onde toda a escuridão se escondia. Naquela breve troca de olhares se estabeleceu um plano tão perfeito e tão cruel que mesmo as árvores mais antigas tiveram medo. O homem entregou a Alice um punhal de cabo negro e conduziu a menina de volta ao casarão.

O tio de Alice era sempre o primeiro a se levantar, cedo da manhã. Ia para seu escritório dar uma lida em um de seus vários livros. Foi lá que a menina o achou, sentado na confortável poltrona de couro vermelho. O homem arqueou as sobrancelhas ao vê-la ainda com as roupas de dormir, pálida e com os lábios meio azulados por conta do frio.

- O que houve com você, menina? – o homem perguntou.

- Estou congelando. Pode me aquecer?

Para ele aquela era uma senha. Mais uma vez fartou-se no corpo de Alice e depois de satisfeito, cansado e arquejante, fitou pela última vez o rosto de sua sobrinha antes de perceber o olhar duro que ela lançava a ele. Então Alice abriu-lhe o peito, roubando para si seu pulsante coração.

Sorrateira, a menina foi ao quarto dos tios, onde a tia ainda dormia a sono solto, e sem o menor resquício de piedade, abriu-a para arrancar seu coração. Colocou ambos em uma sacola e os levou de volta à clareira na floresta, pousando sua oferenda aos pés da imensa árvore que guardava dentro de si o coração de seu irmão.

Alguns dizem que Alice enlouqueceu e viveu na floresta até envelhecer e morrer, alimentando-se somente do coração cru dos corvos que apareciam. Outros, contudo, afirmam que a menina reencontrou a criatura encapuzada, e esta, cheia de pena, concedeu à Alice a imortalidade, para que pudesse viver sempre perto de seu irmão. Dizem que nas noites mais escuras Alice auxilia as moças, livrando-as de seus algozes e roubando deles o coração. Mas quando a Lua Cheia alcança seu ápice no céu, quem quer que esteja perto da floresta, pode ouvir a inocente canção de ninar de uma irmã... Ou uma voz suave, infantil e feminina a ler em voz baixa lindos contos de fadas com finais felizes.
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Mensagem por Yukito Ter Nov 22 2011, 23:07

Devo dizer que estou impressionado e encantado com o seu texto. Sinceramente, amei a história, a forma como ela foi construída e apresentada. A personagem principal tem seu charme e a história evolui de forma lenta, porém ao mesmo tempo dinâmica, trazendo os elementos obscuros e macabros aos poucos, com bastante suspense. Gostei particularmente da forma como o passado dos irmãos foi sendo trabalhado durante a história e de como no fim Alice se tornou uma espécie de lenda. A sua escrita é bela e simples, sem complicações e sem deixar a desejar, pelo menos no meu ponto de vista.

Resumindo, adorei. Uma história excelente que, embora não seja a mais original possível, tem o seu encanto e foi realmente bem elaborada. Aliás, gostei da referência ao Märchen ali.. Digo, era ele, né? O homem que a entregou o punhal a ela.

Ah, antes que me esqueça, gostei da forma como foi mostrado a verdadeira face do tio, quanto a cuidar das crianças por interesse e abusar da sobrinha. Deu um toque de realidade e ainda mais drama à história.
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Mensagem por SorayaCoelho Qua Nov 23 2011, 08:08

Olá Yukito!

Eu fico muito feliz que tenha lido essa simplória one-shot e , principalmente, que tenha gostado! Ela nasceu meio que de súbito, enquanto eu ouvia Märchen, e até fiquei com um pouco de medo de vir aqui postá-la, pois a história podia ter ficado meio fraca, ou sei lá... Eu particularmente gostei bastante, tenho uma paixão especial por histórias que envolvam irmãos.

E sim, o homem que aparece no final é o Märchen sim. Foi uma participação especial (-q), mas achei totalmente pertinente. Acho que seria algo que ele faria. Digo... Ajudar uma menina boa que o mundo machucou e de quem tirou a pessoa que ela mais amava. É uma história de vingança, no bom estilo Märchen, mas bem lá no fundo, também consigo enxergar como uma história de amor (sou meio maluca, nem liga >.<)

Quanto às atitudes do tio, tentei maneirar para não deixar muito pesado, mas a intenção era sim de tornar a história mais verossímil. E como agora, como você bem disse, a nossa Alice-que-nasceu-na-mais-escura-das-noites virou uma espécie de "lenda", quem sabe eu não a use em fics posteriores hm?! Talvez até naquele concurso sobre o qual alguém comentou... O Coração da Floresta 270260
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Mensagem por Paula Roveroni Qua Nov 23 2011, 14:19

Sinceramente? Gostei bastante!

A maneira que a história se desenvolve é fascinante, prende realmente o leitor até o final. É aquele tipo de história que não acontece tudo de uma vez mas também não se prolonga demais, ficou ótima!

E espero que use realmente a Alice mais vezes, gostei demais dela. 8D
E sou bizarra, também consegui ver uma história de amor ali, pelo menos, o de amor fraternal. ~
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Mensagem por SorayaCoelho Qua Nov 23 2011, 15:48

Oi Paula!!

É muito bom saber que as pessoas gostaram da minha história. E olha só, em geral faço histórias bem grandes, mas com essa eu quebrei um pouquinho minhas regras pessoais e criei algo mais clean. Na verdade, acho que os elementos foram avançando sozinhos, eu fui mera coadjuvante, apenas escrevi. Essa história de que são as histórias que escolhem como querem ser não é mentira não, hein?! Hahahaha!

Ahhh! Alice e Lucius ficaram tão fofinhos né? Me dá uma dó dos dois >.< E pode deixar que usarei sim a Alice mais vezes!
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Mensagem por SorayaCoelho Qua Nov 23 2011, 19:34

Aliás! Se interessar a alguém, estou trabalhando em mais uma fic baseada em Märchen! Essa será dividida em capítulos, mas esparei ter dois ou três prontos, porque postarei um por semana.

A intenção é que sejam sete capítulos e um Epílogo... O Coração da Floresta 171990
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