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Mensagem por Norm Ter Ago 09 2011, 11:18

Então... Oi.

Esse é um conto que já escrevi faz um tempinho, na verdade. Eu pensei em dar uns retoques nele para o concurso, mas Norm, o mestre da procrastination, acabou deixando para a última hora. Então vai ficar assim mesmo, ainda está dentro das regras do concurso.

Então... Seja o que Moira quiser.


Um sótão. Bem pequeno.

Havia realmente muito pouco para ver ali dentro. Uma única porta, no chão, e uma única janela de vidro, no alto da parede triangular. A porta estava sempre fechada, e a janela fora pintada de preto e nunca era aberta.

A escuridão dominava aquele lugar. Os únicos seres vivos eram as aranhas que se encarregaram de tecer suas várias teias instaladas por ali, fora as moscas, mosquitos e baratas que lhes serviam de alimento. E uma ou outra lagartixa que passava para devorar o que conseguisse.

E ela.

Sentada em uma cadeira dura de madeira, na frente da pequena mesa em um canto do sótão. Não falava nada. Sua respiração mal era audível e ela mal se movia.

Havia uma vela acesa em um pequeno candelabro sobre a mesa, uma rara fonte de luz naquele lugar. Graças à chama era possível ver a menina estranhamente vestida sentada ali.

Estava usando um longo e elegante vestido branco, ornamentado com detalhes dourados. O tipo de vestimenta a ser usada em bailes e festas elegantes... Não em velhos sótãos empoeirados e anti-higiênicos.

Ela poderia ser muito bonita, não fosse a completa ausência de cor em suas faces. Seu rosto estava fino e ela era bastante magra, o que dava a impressão de que ela não comia havia semanas. Seu cabelo, inteiramente branco, estava amarrado em um rabo-de-cavalo no alto da parte de trás da cabeça, e seus olhos rosados estavam fixos em sua mão esquerda, que escrevia incansavelmente no caderno à sua frente.

Ela usava uma caneta-tinteiro com tinta preta para escrever. Sua mão não hesitava um segundo sequer, era quase como se aquele movimento fosse completamente automático. E o mais curioso é que ela escrevia da direita para esquerda, sempre. O que faz sentido, considerando a mão utilizada.

Mas o que não fazia sentido era o texto, se é que poderia ser chamado de texto. Qualquer um que olhasse as páginas daquele caderno veria um monte de pequenos símbolos que não se assemelhavam a nenhum idioma conhecido. Todos tinham um formato circular, com o interior do círculo cheio de linhas retas em ângulos estranhamente simétricos.

Muito circulares e muito simétricos. Ainda mais considerando que foram escritos a mão.

E ela não parava ou hesitava um segundo sequer.

No canto de cada página, ela fazia um desenho. Já havia dezenas de páginas escritas, com desenhos bastante variados entre si. De margaridas a intestinos delgados, passando por crucifixos e telefones.

Vários minutos se passaram enquanto ela escrevia. Sem parar ou hesitar nenhuma vez. Sem a mínima previsão de término. Ainda faltavam muitas folhas para o caderno acabar. Apesar disso, leves mudanças eram perceptíveis, embora não muito.

A respiração dela começava a ficar mais audível. Não se acelerou muito, mas era como se ela subitamente precisasse fazer um esforço maior para respirar. Seus olhos rosados com pupilas vermelhas também se abriram mais, mudando sua expressão neutra para uma levemente aflita.

Até que, por fim, ela simplesmente soltou a caneta ao lado do caderno e ficou parada ali, respirando cada vez mais audivelmente.

Ela levou a mão esquerda à boca. Começou a roer suas unhas sujas e compridas. E então fez o mesmo com as da mão direita, até que seus olhos encontraram o pote de tinta preta sobre a mesa, que ela usava para recarregar a caneta.

Ela o pegou. Lentamente o girou à frente do rosto, como se procurasse por alguma marca. Não havia. O pote não tinha rótulo nem escrituras de qualquer tipo.

Então, ela lentamente desenroscou a tampa. Abaixou o pote aberto até abaixo do queixo, inclinou a cabeça em direção a ele e o cheirou.

O cheiro não era agradável. Ela olhou o líquido preto e viscoso, da mesma cor que o recipiente. Então, levou dois dedos até ele, mergulhou-os e então levou a tinta à boca e lambeu.

Tinha gosto de tinta.

E isso era horrível.

Mas ela fez novamente a mesma coisa.

Ela ingeria aquilo com tamanha voracidade que, se conseguisse, colocaria a mão em concha ali dentro para engolir mais, ela bebia aquilo cada vez mais freneticamente, pondo os dedos na tinta, levando à boca, lambendo, engolindo, mais uma vez, e de novo, e de novo, começou a tossir, mas não parou, continuou ingerindo mais e mais daquele líquido de gosto insuportável, e tossindo cada vez mais.

Inconscientemente, ela havia se afastado da mesa. Agora estava quase no meio do sótão, ainda se obrigando a continuar a engolir aquela tinta preta.

Já tinha caído de joelhos e estava tossindo bastante, mas não parava. Não parecia se importar se iria engasgar ou passar mal. Ela não parava de lamber tinta de jeito nenhum. Por pior que fosse o gosto, por pior que fosse a sensação, ela não parava. Não queria parar.

Finalmente ela sentiu seu rosto molhado. Sentiu que gotas começavam a escorrer dos seus olhos e largou o pote, pousando-o com cuidado no chão empoeirado.

Levou a mão direita, aquela que não fora usada para pegar a tinta, aos olhos e os esfregou. E então olhou para elas e viu o líquido vermelho e viscoso.

Não eram lágrimas.

Continuavam escorrendo, aquelas gotas vermelhas que começavam a manchar o seu vestido já manchado com tinta preta. Ela começou a esfregar os olhos cada vez mais até que começou a coçá-los. No início com eles fechados. Até que finalmente forçou as pálpebras a se erguerem e começou a coçar o interior.

Doía.

Muito.

E ela já não conseguia enxergar mais nada.

Mas não parou.

A essa altura ela já estava gritando. Gritando de dor, gritando de agonia, e gritando por quem sabe mais outros motivos. E deitada, rolando no chão.

Ainda sentia o gosto horrível de tinta na boca.

Ainda sentia a dor ardente dos olhos rasgados.

E então não sentiu mais nada. Parou de rolar. Parou de gritar e parou de respirar.

E não voltou a se mover. Nem a emitir som algum.
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